Venenos de Deus Remédios do Diabo

Um lugar pode ser um não lugar. Basta não ter um corpo que o ocupe. Ou ter um, em que a alma vagueia sempre em ciclones de imaginação. Há lugares que nos fazem não estar lá, estando. Que nos proporcionam vazias odisseias cheias de tudo o que não temos. E assim se faz o equilibrio de uma vida, que se perde por desejá-la tanto. E mata-se a sede com água salgada.

Aquele foi apenas o primeiro dia, em que a minha infância brincou  ás escondidas com as melhores memórias. E jogou à cabra cega com a inocência. Mochila nova às costas, tranças pretas no cabelo alinhado, caminhei ao lado da minha mãe. O coração com uma mão cheia de curiosidade e de receios. Sentei-me numa carteira em madeira escura, bem perto daquela menina que dividiu amizade comigo. A professora Arlete, distribuía sorrisos animadores e falava com olhos alegres  na tentativa de afugentar os nossos medos. Da minha mãe recebi um beijo mais demorado. E enchi a sala com um mar salgado de lagrimas. Hoje o meu filho disse-me que a escola era a cidade das crianças. Também ele chorou no primeiro dia. Devia ter percebido que as lágrimas, eram a primeira semente desta alegria que partilhámos hoje, e para o resto das nossas vidas. .

"De repente, ouço passos no corredor. Alguém olha para mim. O que é que isso significa? Significa que eu, repentinamente, sou afectado no meu ser e que modificações essenciais aparecem na minha estrutura." Sartre É preciso nunca esquecer que, mesmo com a boca trancada, os olhos mergulham sempre na profundidade de alguém. Fica a questão: O que fazer concretamente com um olhar?

Peço-te que por agora não cantemos o amor. Porque ele fugiu, refugiou-se lá em baixo nos subterrâneos. Cantemos antes o medo que estereliza os abraços. Aquele medo grande dos sertões, dos mares, dos desertos. Até pode ser aquele das mães dos soldados. Aqueçamos agora a garganta de vontades. Afinemos as vozes até derreter o gelo da resistência. Cantaremos o medo da morte e o medo de depois da morte. Depois, juntos, morreremos de medo.

Deixa a cabeça às voltas pelo mundo. Decompõe a alma na mente e vê o que lá encontras. Quase uma doença. Na procura da verdade. Apenas em segredo superarás mentira atrás de mentira. E serás sempre bem sucedido e apaixonado aos olhos alheios. Até parece que segues sempre em frente. Mas não. Não serei tua. Basta levares a tua linha recta para uma curva e esticá-la. Frágil e velha parte-se. Sentes-te só? Leva a tua cabeça ao coração e convençe-o que isto é quase como estar livre. Que sejamos bravos como soldados. A cair sobre a luz pálida da lua.

Eu sou apenas a coisa magníficamente mais estúpida, que já perdeste neste mundo. Pegou-se um grande fogo e não nos preocupámos com as coisas que estavam a arder, nem com o que podia arder ainda. Há muitos maneiras de morrer e de matar. A culpa, com um pouco de sorte, é de quem a apanhar. Maomé já dizia: "O homem é o único culpado da sua própria perdição".

Se apenas esta noite nós pudessemos. Ai se nós pudessemos! Queimar os olhos nas estrelas e não adormecer nunca mais. Saltarmos da cama para um encanto imortal. Deixar que um anjo nos enterrasse entre abraços. E o céu e o impossivel a explodirem. Um outro mundo, onde os pássaros sempre cantam. E só a chuva a chorar como nunca. Apenas numa noite, uma vida inteira.

Fosse tudo tão simples como dizer: Ano Novo Vida Nova! Mais um ano que acabou. Curioso que, por esta altura, o ano passado foi enterrado com a mesma esperança. Fazer planos para o ano novo é querer fazer um ritual de limpeza do que se viveu anteriormente e arrependimento pelo que não se fez. Será que ficar acordado até à meia-noite para ver o ano novo entrar garante que os males do ano velho se vão embora? Então mas os mais velhos não são sempre ricos em experiencias? Não deveriamos interiorizar o que se passou para constantes melhorias? Senão anseia-se por um  novo ano, para se ter um novo começo nos velhos hábitos. Há quem acredite numa espécie de magia  e vista uma nova vida azul. Pois se assim for, hoje, que seja esta ou aquela, pouco me importa. Bob Marley disse um dia: "Os ventos que ás vezes tiram algo que amamos, são os mesmos que trazem algo que aprendemos a amar. Por isso não devemos chorar pelo que nos foi tirado e sim, aprender a amar o que nos foi dado.