Venenos de Deus Remédios do Diabo

Não me procures ali. Onde os vivos visitam os chamados mortos. Procura-me dentro das grandes águas. Nas praças. Num coração em fogo. Entre cavalos e cães. Nos arrozais, no arroio. Ou junto aos pássaros. Ou espelhada noutro alguém. A subir um duro caminho. Pedra, semente, sal. Passos da vida. Procura-me ali. Viva. Hilda Hilst

Ver os homens comerem o pão que o diabo amassou. Encaram. Tentam o primeiro olhar cortante nos olhos. Mas sempre os baixam por falta de audácia. O que não quer dizer que falte desejo e malícia. O que não quer dizer que não haja animalidade e potência infinitas numas pernas cruzadas. As pernas: Duas armas de assassino calibre. Perigosas na vertigem que provocam. Mas o verbo que se esconde e se exprime na carne e no osso, aparece nesse veio fundo do corpo e das vísceras. É o preço a pagar por ser homem.

Ousar tudo. Afinal a vida dá-nos poucos presentes. Se queremos uma vida, há que aprender a roubá-la. Freud tinha razão: "Nós poderíamos ser muito melhores se não quiséssemos ser tão bons".

Soa bem na voz do Sting , mas não deixa de ser uma treta. Somos, no amor, desonestos. E arde-nos no peito a exigência calada e secreta de posse completa. Não há entregas gratuitas, há apenas extorsão, usurpação e falcatrua. Afinal quem se julga dono de outro, também não é livre. O amor vem sempre de uma zona escura e desconhecida. Com dizia Fernando Pessoa: O melhor é querer pouco para ter tudo.

Fujo com o circo ou toco violino no metrô de Paris. Enlouquecerei deliberadamente. A cada dia que passa, percebo que o meu coração mora nos teus pés.

Palavras simples em conserva para todas as coisas do mundo. Essas palavras não podem ser ditas em qualquer lugar a uma hora incerta. Estritamente reservadas para companheiros de confiança. Devem ser pronunciadas num tom especial. Lá onde a polícia dos adultos não adivinha nem alcança. Onde tudo é proibido é que falamos.

Revelam-se. A aparente mudança tal como o amor, deixa ocupar todos os nossos espaços, enquanto é bem-vinda. Transferimo-la para o quarto dos fundos quando já não funciona mais. Mas a essência, essa, nunca é expulsa definitivamente de casa.

Agora que tive tempo de apreciar Frida, descobri vários porquês e várias coincidências. Em resumo, a sua vida e obra foram profundamente marcadas pelo acidente que ela sofreu aos dezoito anos. Grande parte da obra de Frida é composta por auto-retratos em que ela reelabora expressivamente o seu sofrimento e a sua paixão. Como se sabe, em 1925, num choque no autocarro em que viajava , Frida Kahlo teve a região da pélvis trespassada por uma barra de ferro que lhe rasgou a coluna vertebral em três na região lombar, além de fracturar vários outros ossos. Essa fatalidade mudou completamente o curso de sua existência, fazendo com que fosse abandonado seu projecto de ser médica. Como agravante, ela foi informada de que jamais poderia ter filhos através de parto normal, recebendo a recomendação de não engravidar. Frida ensinou muitas lições. Ensinou que a vida, mesmo sofrida, merece ser vivida. Ela eternizou e externizou as suas dores e conflitos, e foi isso que fez dela quem é. Ela queria tra

Borboletas no estômago. Lagartas na barriga. Cobras que se enrolam aos tornozelos e baratas nos ouvidos. Bichos-de-conta no nariz e aves raras na cabeça. Queria conseguir aproximar-me, e dizer-te que não suporto este silêncio, mas tudo sinto e vai-se a hora corajosa em que tento. Gozo os momentos que uma pequena lembrança, um selo, me poderiam dar ao imaginar-me já muito perto e fico-me por isto. Todas as mulheres precisam de uma carta com palavras clichês e repetidas, de um adeus, de um amor, de uma tristeza. Escrevo-te agora e sempre na hora em que não estás. Assim, quero cuidar de mim mesma. Carregar o meu canhão de flores.

Quantos vezes passamos na rua e vimos um casal estranho. Assola-nos questões simples sem resposta fácil. O que é que ela vê nele? È um homem a quem um relógio nunca tortura. Aquele cujo o carro atropela o trânsito. Que erra mas quando acerta, acerta em cheio . Que parece um lorde numa mesa de restaurante, mas é desajeitado no amor.  Que sente quando ele chora. Vê-o nu.  Destrói-lhe os medos com beijos sem fim. Se atrela a ela como nenhum homem. O que ele vê nela:  Que o corpo dela não é nem de longe parecido com o da Marilyn Monroe.   Mas que sorri como  ninguém. Que lhe  preenche todas as carências do passado, e vê que ela precisa dele e isso fa-lo sentir importante. Faz parecer que é sempre primavera, de tanto que gosta de flores em casa, e ele vê que ela é tão insegura quanto ele, e é humana como todos. Que ela é livre e poderia estar com qualquer outra pessoa, mas é ao seu lado que está. Que se preocupa quando ele chega tarde e lhe faz o jantar a qualquer hora. E assim