Venenos de Deus Remédios do Diabo

Falam do fim do mundo. E do futuro que vai ser. Por mim, guardo cada manhã preguiçosa na ponta dos meus dedos. E cada noite longa, no abraço há vida que ainda não dei.  Entre o aqui e o agora, basta ba lançar o sorriso na companhia de um bom vinho.

Cheira a filhoses. A bolos quentes. A perú no forno. Mesa vermelha. Crianças a rir. Abraços. Histórias. Luzes. Presentes em papel prata. O Natal é a magia de juntar para a partilha. Um itenerário para o que realmente importa. O que está feito feito está.

Algures entre o descanso e a revolta. Olhos de procura e coração quente, como quem ainda está a acordar.  E sussurra que fica fora do desassossego. Num caminho certo. Para chegar a esse sítio, a esse nome, em que vida em alvoroço procura o papel principal .

Não ando cá para viver mais ou menos. Não me venham com o superficial, que nada do que é raso me satisfaz.  Nietzsche entende-me como ninguém:  "Odeio quem me rouba a solidão sem em troca me oferecer verdadeiramente companhia".

Antes observar do que absorver.

É bom que sejas homem de palavra.

Para horário completo. Que diga frases ou poemas num único olhar. Com ou sem experiência. Disponibilidade total e imediata. Oferece-se contrato vitalício. Caso esteja interessado, contactar telepaticamente.

Nada de pouco quando o mundo é meu.  Este é o raciocínio de quem não tem raciocinado ultimamente. Somos todos culpados, se quisermos.  Somos todos felizes, se deixarmos.

Sente-se pouco. É preciso sentir os pés nus no chão. O chão que é meu. Que  nos sustenta. Em  terra que funde dúvidas e nos faz crescer. Marcel Proust dizia que as pessoas querem aprender a nadar, e ter um pé no chão ao mesmo tempo.

Tudo. Acredito que ainda pode acontecer tudo. Como se tudo o que tem acontecido ainda nem fosse nada. Mais batalhas da pesada, que isto ao de leve é para os iniciados. E o que começa como uma peste acaba como uma cura. Hoje as palavras são breves mas o significado não.

Esperar. Conversas sonsas.  Falta de sensibilidade.  Fim. Por mais que a vida me empurre para o abismo da desistência, eu continuo a acreditar que quem manda nesta "porra" sou eu. E um bom banho ainda pode lavar a alma.

O amor, para quem é mais novo e não sabe como fazer, não é uma técnica ou uma táctica.  Não há segredo. Não há lições. Ou se ama ou não se ama. Ou se é também amado ou não se é. Esperar é o melhor conselho. Experimentar é o pior. O segredo não é ter paciência: é conseguir manter a impaciência num estado de excelsitude. É como o «nunca mais é domingo». Se não sentirmos, todos os dias, que nunca mais é domingo, quando chegar o domingo parecer-se-á com outro dia qualquer.  Os dias bons não são os que ficam para lembrança. São aqueles que se esquecem, porque se repetem na mais estúpida felicidade mas que, todos juntos, servirão para um dia eu poder dizer «sim, eu já fui feliz».  Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' 

Basta subtrair ao que somos o que aprendemos, o que lemos, o que vivemos com os outros.  É só ver o que fica. Coisa pouca. Sozinho quase ninguém é quase nada.  É somente juntos que podemos ser alguma coisa. Fonte -Miguel Esteves Cardoso em  Último Volume

É aquele que provoca em nós os nossos melhores sentimentos. Se assim é, então deve existir também um pior amor.  É que nem sempre se pode sair de um pântano, sem apertar um galho.  Afinal o amor, não é coisa que se retribua de imediato.

Nunca podemos contar com ele.

Dá   um sono gigantesco e um génio de fugir.

23 anos. Antes de ter saído  da casa dos meus pais, estava disposta a viver a aventura do "foram felizes para sempre". Eu já conhecia o rebentar das ondas na areia. Os voos dos pássaros livres, e as ilusões  dos livros que ainda não tinha lido. O sonho falava-me da vida,  como se ela nunca me tivesse acontecido. Tinha o poder duma criança,  entre as coisas e eu,  tudo era possível.  Era uma questão de querer. O mundo de mãos dadas as minhas, alegre e despreocupado. Quando é que foi isto?  Há quanto tempo? Albert Einstein já dizia que existem apenas duas formas de viver a vida: uma é como se nada fosse milagre, o outro é como se tudo fosse um milagre. Eu acredito no ultimo.

Fernando Pessoa ansiava pela verdade e pela aspirina.  Eu fico-me pela aspirin a, já não acredito em verdades verdadeiras.

Hoje comovi-me ao deixar-te na escola dos grandes. Tão pequenino, tão inseguro atrás da minha proteção. A mala mais pesada do que tu. Chaves. Cartões. Responsabilidades. Onde é a sala nº 12? Tenho que ter cuidado ao subir as escadas, estes aqui são loucos, ainda caio. Lembrei-me de ti tão pequenino quando cais-te das escadas da nossa casa a rebolar. Andas-te uns bons meses a descer as escadas sentado. Ocorreu-me isto tudo num turbilhão de emoções em segundos. Apeteceu-me ficar contigo de mão dada. Um escudo contra os teus medos. Há despedida, tiveste vergonha do meu beijinho ao pé dos teus colegas. Vontade mesmo, era levar-te ao colo embrulhado na tua mantinha azul para te proteger do mundo. E comovi-me sim, deixei fugir uma lágrima teimosa de mãe que te ama mais que a própria vida.

No coração, talvez, ou diga antes:  Uma ferida rasgada de navalha,  Por onde vai a vida, tão mal gasta.  Na total consciência nos retalha.  O desejar, o querer, o não bastar,  Enganada procura da razão  Que o acaso de sermos justifique,  Eis o que dói, talvez no coração.  José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"

Todos os cães têm o seu dia.   T ony Montana, Al Pacino -  Scarface

P od es chegar onde quiseres.  No meu coração e no de todas as estrelas que queiras tocar.   Agora, é o que  eu fizer comigo e mais nada. Alexandre Herculano já dizia : "É erro vulgar confundir o desejar com o querer. O desejo mede os obstáculos; a vontade vence-os."

Não existem borboletas nesse jardim. Sem que a vida passe  por longas, lentas e silenciosas metamorfoses.

Uns riem e haverá sempre quem chore. Na maior parte das vezes pelas mesmas razões.

Esse sofrimento voluntário. Animo forçado do peso que o estrangula. Designação de absurdo. Afinal sempre é possivel ferver a graus diferentes. Bierce Ambrose já defendia que a paciencia é uma forma de desespero mascarada de virtude. Eu acrescentaria, que a paciência também se esgota e ainda bem que assim é.

Parecem farpas. Eu, uma integração de dados que não se apagam nem se alteram. E nada é uma desculpa. Eu inteira. Em cada exigência o amor, sempre o amor. La Fontaine já dizia que "a cada um seu defeito, no qual todos os dias recaímos, nem pejo, nem medo, nada o corrige."

Deixemos de lado o que não faz sentido. Gastar o pouco tempo que não sobra. Caminhar de cabeça solta na realidade abstracta. Não há tempo a perder com distracções imperfeitas e labirínticas. Sejamos tão somente o que somos. Deixemos as exigências de ferias. Há quanto tempo não gastamos tempo com o que realmente nos da prazer?

Realçou que não queria viver até aos 100. E quando se tem 100 anos começamos a ser uma espécie de curiosidade porco-espinho") e que estava zangado com o seu corpo, confessando que desde a operação aos intestinos, em 1988, o tempo custava mais a passar. Mas considerava-se uma pessoa feliz porque a quebra era só física. A morte não o assustava: "Penso que a morte não será muito desagradável, a não ser que se sintam dores. A pessoa deixou de sentir e, serenamente, entra no vago. De um modo geral, não tenho medo da morte." Nunca deixou de trabalhar e reformar-se não estava nos seus planos: "A minha reforma será o dia em que vier publicado o meu retrato com uma cruz no jornal." Eu acrescentaria: Digno de uma História consciente  José Hermano Saraiva

Que me roubam 60 minutos. Que de mim te roubam uma hora. Quem flutua não quer arrastar os pés no chão.

O amor. O perdão por amar derepente. A fractura exposta que definha a alma. Amar pelo cheiro e pelo tormento. Fugir de quem não se quer romper o coração. Tudo o resto não merece fazer parte da nossa autobiografia.

"Em relação a qualquer coisa nunca digas: «Perdi-a»; diz, ao contrário: «Devolvi-a». Morreu-te o filho? Devolveste-o. Morreu-te a mulher? Devolveste-a. O teu campo foi roubado? Foi também devolvido. Mas quem o roubou é um miserável? Que te importa por quem o retirou aquele que to dera? Enquanto te deixam tais bens, toma conta deles como de um bem que pertence a outrem, como fazem os viajantes numa hospedaria." Epicteto, in 'Manual' Moral da história: a vida não passa mesmo de um empréstimo.

Que cada pessoa que passa pela nossa vida é única.  Deixa sempre um pouco de si e leva um pouco de  nós. Os que levam muito e os que por mais distraídos que sejam nunca nos deixam sem nada. Esta é a maior responsabilidade da nossa vida. A prova evidente de que duas pessoas não se encontram por  mera casualidade. E que cada minuto da nossa vida inconsciente é mais vida, que não cabe nas mãos da teoria. Continuará a haver  sábados e domingos sextas e quintas segundas e terças e sempre uma quarta-feira a comandar no equilíbrio do princípio e do fim. 

Eu tenho medo que as coisas nunca mudem.

Toca-me mais a dedicatória do que o livro. Gosto do que não se vê.  Ou sim (eu vejo) o que se lê  nas entrelinhas.

Que me roubem as palavras. Os pensamentos. A razão. Que  me estiquem as horas curtas. Porque Deus não escolhe os preparados, prepara os escolhidos.

Mas de momento não consigo ver quais. É caso para dizer: Cala-te! Senta-te e goza o facto de estares vivo.

Epicteto dizia que "a doença é um estorvo para o corpo, mas não para a vontade se ela não o desejar. O ser-se coxo é um estorvo para as pernas, mas não o é para a vontade. Assim pondera todo e qualquer acidente, e chegarás à conclusão de que o acidente estorva sempre uma ou outra coisa - e que só para ti, movido de vontade, não é estorvo de espécie alguma." Se for preciso a vontade que me minta com os dentes todos para me proteger. Que me traga a infância, em que apenas um pouco de Sol lá fora resolvia tudo.

S ou uma cortesã, sou paga para fazer os homens acreditarem naquilo em que querem acreditar. Moulin rouge 

Falava um destes dias ao almoço, que ás vezes não tenho tanto a certeza de quem tem o direito de dizer quando um homem é louco e quando não é. É como se não fosse tanto o que um louco  faz, mas a forma como as pessoas o encaram. Mas afinal quantas loucuras habitam num homem? O louco consegue desafiar a lógica de todas as construções. Gosto particularmente do louco que ri serenamente pela rua da felecidade. Só o louco, com a sua honestidade escrupulosa pode acreditar na felecidade permanente de uma vida . Afinal um simples golpe de loucura, pode desafiar qualquer destino malfadado. Heine Henrich defendia, que a verdadeira loucura, talvez não seja mais do que a propria sabedoria que cansada de descobrir as vergonhas do mundo tomou a inteligente resolução de enlouquecer.

Perder vida dói. Mesmo quando parece ser só de raspão. Valha-me o punhado de coragem que trago entre mãos. Que seca mais rasgões que um frasco inteiro de sulfamida.

A promessa de sexo costuma ser tão excitante quanto o sexo em si.  Não falo da promessa que fica no território dos devaneios, mas da que é quase um prenúncio. Da promessa escondida num olhar mais manhoso, daqueles que acendem um fogo quase quieto. No decote a mostra, no que não mostra, na data marcada, no encontro inesperado. Porque fazer sexo é muito bom, mas o que o antecede não fica atrás. Etienne Pasquier já dizia, que no amor vale mais a caçada do que a captura.

Trocar os perigos e inconveniências de uma residência fixa pela segurança e o conforto da viagem. Há que erguer as mãos ao alto das coisas.

Desembaraçar o novelo. Reinventar.  Até o que já foi reinventado e azedou. É preciso descartar o adoçante para conhecer o gosto real das coisas. Sobretudo, reconhecer e assumir a óbvia obviedade do óbvio.

Que um corpo nu. A roupa mais bonita para vestir a uma mulher são os braços do homem que ela ama. Para as que não tiveram essa felicidade eu aqui estou. Yves Saint Laurent

Mastigou-se dentro de si, como quem se petrifica. E saiu. Mesmo com um sorriso torto de quem fica. Quem limita o que é eterno?  Terceira dimensão de uma vida com contas por acertar. Shakespeare tinha razão ao dizer "Nós somos do tecido de que são feitos os sonhos".

O tempo passou, e continua a passar. Não são saltos anuais como quem gosta de contar aniversários. São somas de dias, horas e fracções.  Algumas tão pequenas, quase esquecidas. Um beijo,um descuido, um cuidado. Vida, o nome dos filhos, a nova oportunidade que cabe num instante. Partidas, para o novo dia, para os fios de cabelos brancos que chegam timidamente. O tempo é feito destas passagens. De conquistas e de perguntas de resposta múltipla .

Pequenas coisas de valor incalculavel. O meu diário aos corações azuis. Cartas de férias de Verão dos amigos de infância. Bilhetes e desenhos feitos na sala de aula. Cartas de amor. Pétalas secas de rosas vermelhas. Fotografias de sorrisos rasgados. Alianças e aneis. Bilhetes de cinema. Chaves às cores. Lenço em seda de cornocópias do primeiro namorado. Fotografias. O meu passe com 15 anos. Pensamentos em folhas A4. Posters da  revista Bravo. Desenhos. Um pacote de açucar. Letras de musicas. Pedaços de vida feliz.