Venenos de Deus Remédios do Diabo

Apenas Sentir.

Muitas vezes nem há seringa.  Nem injecção.  Nem remédio.  Nem conhecimento certo da doença de que se padece.  Muitas vezes só existe a agulha.  Dizem-nos, para esquecer,  para ocupar a cabeça,  para trabalhar mais,  para distrair a vista,  para nos divertirmos mais,  mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos para enfrentar.  Fica tudo à nossa espera.  Acumula-se-nos tudo na alma em desordem.  O esquecimento não tem arte.  Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar.  Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.  Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

Com a falta de tempo. Um destes dias pela manhã, peço uma fatia de tempo só para provar.

Uma realidade explosiva como uma bomba envenenada. A mulher, teimosa, enfrentou muitas noites com um unico pensamento:  Eu já tomei a minha decisão, não me confundam com novidades. Foi a essência da vida a atirar-lhe com a ordem de trabalhos que estaria para vir. Com a mudança tornou-se mais descontente. Plantou no coração apenas uma certeza: de que a vida não precisa ser como é. Mudar alivia.  Frustra. Ameaça. Entristece.  Afinal mudar deixa sempre no caminho os patamares mais fáceis para uma nova mudança.

Há sempre uma primeira vez para os imprevistos insuportáveis.

A  frequência da situação não lhe retira a curiosidade.

Que são o nosso lar. Distâncias não encerram amizades sólidas. Lembrei-me do livro O pequeno príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry, e da  famosa frase: "Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas." Afinal, a amizade é como uma estrada de duas mãos: nos dois sentidos os sentimentos são semelhantes.

Também eu não estou à altura de ficar no paraíso porque o paraíso não tem gosto humano. Verdade seja dita:  Qualquer coisa se perdeu quando o Paraíso Perdido se ganhou. E os verdadeiros paraísos são os paraísos que se perderam. Fernando Pessoa já dizia: "O paraiso não nos salva. Mas alguem tem uma ideia melhor?"

E u g osto de pensar com o coração cheio. E que a brevidade do instante, é compensada pela intensidade da memória.  Esperar, e não reparar na espera é fundamental.  Para quem ama, amanhã, por muito improvável que seja, é melhor do que ontem.  Amar: uma aventura digna de um filme premiado. O segredo: uma  fraca compensação que ainda ninguém contou.  Talvez  um destes dias,  num rasgo de sorte me cruze com o dia per fei to.

Perdeu-se  por um minuto ou dois. Lembrou-se que não a tinha a algum tempo. Ela abriu o sorriso e fez a sala girar.  Ainda a tinha guardado nua nos seus abraços. E as emoções mudaram. As lembranças correram como ondas selvagens  como dois círculos perfeitos em remoinho. E pela prime ira vez sentiu-se sem lar. Perdido na névoa do vinho.

De estrear lingerie.

Os beijos são uma das melhores festas gratuitas a que toda a gente tem acesso. Beijar dá-nos saúde.  O beijo que se dá ao luxo de acelerar sem travões.  Como expressão de um amor incondicional que nos habita e de que não temos medo. Leva-nos  para lá da exaltação dos sentidos. Explosões de vida.  Quando uma boca se abre para outra boca, há quase sempre uma qualquer maravilha que ainda está para acontecer.  Ou, quanto mais não seja, uma sensação de paz possível.

Devíamos ouvir um pouco de música, ler uma boa poesia, ver um quadro bonito e, se possível, dizer algumas palavras sensatas. Goethe

Desejo uma noite longa. Que me crave na pele com unhas e dentes a língua ardente. Nos astros do amor indiferente que o tempo me ignore congelado. E que empurre a  esfera das angústias perm anentes para a escuridão de outra noite. Desejo uma noite longa. Em que eu perca a consciência que faz de todos nós cobar des .

Pink! .

Ele a dormir. Ela de pé ao lado dele. A luz de dentro dele encheu-lhe a escuridão da cabeça. E descobriu em segundos  que foi tudo para um homem.

Não é possível cortar para sempre com tudo o que nos liga a pessoas que pensam verdadeiramente como nós.  Acabamos sempre por voltar a estar de acordo nalgum ponto.  Com os que pensam de maneira deveras contrária à nossa é baldado o esforço para manter algum acordo, porque acaba sempre por se desfazer.                                                                                               Goethe

Abandonava a perseverança. Esta estúpida gloriosa que me deixa perder oportunidades de ouro. Tal como diz a música o desafio é saber quando agarrá-las e quando dobrá-las.

Há ventos antigos que me sopram nos olhos, e que não domino. Parece-me que desde sempre andei, e andarei na crista das suas ondas. Entra-se noutra dimensão. Com a chuva, um movimento do meu limpa-pára brisas leva-me a outro caminho. Não  vejo nada para além disto. Euclides nem sempre teve razão ao defender que as paralelas eram constantes até ao infinito, mas é possível um modo de vida contrário onde as paralelas se tocam num além longínquo. A simbiose de duas realidades, donde caio para dentro e para fora da ilusão da convergência.

Fugi na noite passada Esmaguei-me contra a própria pele. Nesta confusão levei-te dentro de mim. Era uma reação estranha. Uma reação em cadeia. Eu estava à procura de um esconderijo. E vi a janela em que te lancei todas as pedras. Era uma estranha reação. Para alguém como tu continuares tão seguro. Eu sei que posso fingir esquecer, que tu ao longe rastejas.

De preparar coisas com carinho. Sujar as mãos nos temperos que abrem o apetite.  Sentir os aromas que fogem da minha cozinha.  Saborear coisas novas.  Gosto de cozinhar quando somos dois, para a família e para os amigos.  Gosto de ouvir elogios e gosto que me peçam as receitas.  E por mais cansada que esteja, há sempre temp o e vontade de cozinhar qualquer coisa. Afinal, são estes momentos simples que nos abrem sorrisos rasgados.

A verdade crua e dura, é que nunca nos separamos de um primeiro amor. Ficamos sempre presos no paraíso de uma história única.  Esse amor que acaba sempre mal só porque acaba. Nada o substitui, nem uma segunda história.  Nem a mentira.  Nada.  O primeiro amor que nos abre o coração e nunca mais o fecha. Depois  dele aparecem sempre novos amores. Amores mais saudáveis. Porque estão cansados, velhos, e caminham mais devagar. Numa fila indiana alinhada e cheia de regras funcionais. Amar muita gente, c omo proclamam os c ristãos, é  mesmo um embuste.  E pode ser tão involuntário como respirar.

Vem como estiveres. Como já foste. Vem no teu tempo num dia i móvel. Apressa-te. A escolha é tua.  Traz o resto. Ainda sobramos nós. Creio que ainda não nos despedimos.

"Como uma grande duna que se vai formando grão a grão, o esquecimento cobre tudo.  Ainda há dias pensava nisto a propósito de não sei que afecto.  Nisto de duas pessoas julgarem que se amam tresloucadamente, de não terem mutuamente no corpo e no pensamento senão a imagem do outro, e daí a meia dúzia de anos não se lembrarem sequer de que tal amor existiu, cruzarem-se numa rua sem qualquer estremecimento, como dois desconhecidos.  Essa certeza, hoje então, radicou-se ainda mais em mim.  Fui ver a casa onde passei um dos anos cruciais da minha vida de menino. E nem as portas, nem as janelas, nem o panorama em frente me disseram nada.  Tinha cá dentro, é certo, uma nebulosa sentimental de tudo aquilo.  Mas o concreto, o real, o número de degraus da escada, a cara da senhoria, a significação terrena de tudo aquilo, desaparecera."  Miguel Torga, in "Diário (1940)"

Acreditar que a vida é imutável. Afinal o destino tem mais imaginação do que nós. Tudo muda.  E mesmo sem precisar de morrer  já estamos a viver outra vida.

Sabia  que existiam muitos caminhos, muitos mesmo.  Foi atrás daqueles foguetes capazes de fazer despertar moribundos ou fazer levantar da cama preguiçosos.  E explodiu com a vida.

Que começou hoje as aulas. "Aprende que a melhor sala de aula do mundo está aos pés de uma pessoa mais velha".  Adoro-me meu anjo.

Verdades à Queima Roupa. A frontalidade assusta. Porque o melhor mesmo é ouvir aquilo que queremos ouvir. Dizer o conveniente. Infelizmente nem todos estão preparados para ouvir a verdade. Eu estou.  Eu prefiro.  E quem está comigo, que se prepare para ser atingido com verdades à queima roupa. Sei que preciso de me perder para me voltar a encontrar.

Sentimentos mal costurados. Amor a descolar. Cortado em gomos amargos de cedências.   Coração gasto. Inquebrável porque já se partiu, colou, partiu e colou. Amor com validade. A cheirar a mofo mesmo estendido a secar ao sol. Do lado esquerdo do peito sobrevive o  amor em segunda mão, genérico do amor.

São facilmente feitas. Como se alguém soubesse o que é a perfeição.   Há sempre uma vontade cansada que tudo distorce. Thomas Fuller já dizia que  "Nada é bom ou mau se não for por comparação".

O veneno da tentação, não é  assim tão doce. O melhor mesmo é não beber. Talvez molhar apenas os pés seja a melhor virtude. Como uma ida à janela da prisão. Nos tempos que correm é cura ou doença?

Sempre gostei de ouvir. Há sempre alguém em lista de espera para soltar as verdades engasgadas. Os temas imprevisíveis vêm sempre a lume. Afinal o excesso de racionalismo não é coisa incomum.  As verdades absolutas com o tempo deixam de ser. Sempre tive palavras para doar. Muitas vezes sei o que dizer e outras não. Às vezes o melhor mesmo é o silêncio do ouvinte.

Desafiar o desafio. Fugir deste desafio significa infelicidade. Vinicius de Moraes já dizia que a  vida é a arte do encontro, embora haja tantos desencontros pela vida. 

Vi-te. Em desanimo, triste, infeliz. Revi-me na tua expressão. Não foi nada disto que eu quis. Coração a desatar.  A desatar a correr atrás do que não sabe. Do que não apanha, não larga e não compreende.

Que sejamos o nosso próprio tempo, às vezes somos o tempo de outros e outros são os nossos tempos, às vezes sem querer, às vezes querendo, às vezes dormindo, às vezes acordados. Fonte:   Tiempo y Destiempo / Meditaciones

Pode-se esconder para tentar mostrar. Escolher uma corrida até ao outro lado. Partir para nos impedirem. E para ver a nudez pura, bastar olhar para dentro. Daquilo que não se faz já ninguém se pode queixar.  Pode-se  apanhar do chão as coisas que ficaram lá atrás. Escolher ficar, mesmo com a porta fechada na cara dos sonhos incertos. Uma parte de mim que jamais alguém poderá ver. William Shakespeare já dizia que o maior erro que se pode cometer é ter medo de cometer algum.

Do botox, das plásticas e afins dá que pensar. Qual foi o momento da nossa vida em que não envelhecemos? A natureza passa a vida a travar a nossa inconsciência. Deixemo-nos persuadir pela sabedoria de uma mente mais velha. Existem duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa c aixa de bombons. Jean Jacques Rousseau  dizia que a  juventude é a época de se estudar a sabedoria; a velhice é a época de a praticar.

O número de amigos da maior parte das pessoas que eu conheço aumenta a cada segundo que passa.  O meu diminui drasticamente de dia para dia.  Penso que vou no bom caminho. A biblia já dizia que uma lingua suave é a árvore da vida, mas a lingua perversa quebranta o espirito.

Em que dava tudo para que os teus pés frios, que sempre me desagradaram, arrefecessem o medo que me acende a vontade.

Mas num contratempo, o tempo não descongela feridas.

A comer-lhe o estômago . A corroer  tudo o resto, mesmo assim a sangue frio. Fome do surpreendente. Temia uma gastrite.   Seria tudo bem mais simples se viver uma vida só de cada vez lhe bastasse.  E  quisera  que os incontáveis desejos fossem todos compráveis.  A rranjaria a solução, trabalharia horas extraordinárias ou avançaria para um empréstimo. E hoje acordara com mais apetite. Com uma pressa maior do que os passos que as pernas eram capazes de dar.  E as pernas, cansadas, até tentaram avisar que a vida podia esperar. Sabia que pernas não falavam, e se falassem mentiam, porque tudo o que a vida não podia mesmo era esperar. A culpa era apenas do velho vício de sonhar. E do desejo sem nome.

Devia-se usar o espartilho cerebral.

Em pequena o tempo pesava-me nas mãos e era uma eternidade. Aborrecia-me não ser mais velha. De olhos postos no céu sonhava com o depois. Com os sapatos altos da minha  mãe atropelava o tempo a cambalear, e já tinha vinte anos. De cigarro de chocolate ao canto da boca era-me permitido fumar. Subitamente acordei no cat aclisma das obrigações. Daquelas que nos empurram para os dias previsíveis e repetitivos.  Ficamos ranzinzas, e isso não se deve a idade, mas ao des gosto  de ter uma agenda repleta de tudo menos de nós próprios. Até o vento nos aborrece porque só serve para nos estragar o penteado. E as piadas já tão escassas, têm que ser cada vez mais pesadas para arrancar o riso. A vida sabe que não e xiste amadurecimento sem desapego.  Sorte d e quem compreender que temos que perder algumas coisas para absorver outras.  De quem conseguir proteger a criança descalça que caminha no seu interior. Afinal a vida é mesmo para pessoas de todas as idades.