Não adianta fugir com o rabo à seringa

Muitas vezes nem há seringa. 
Nem injecção. 
Nem remédio. 
Nem conhecimento certo da doença de que se padece. 
Muitas vezes só existe a agulha. 
Dizem-nos, para esquecer, 

para ocupar a cabeça, 
para trabalhar mais, 
para distrair a vista, 
para nos divertirmos mais, 
mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos para enfrentar. 
Fica tudo à nossa espera. 
Acumula-se-nos tudo na alma em desordem. 
O esquecimento não tem arte. 

Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. 
Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar. 

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'

Comentários

Mensagens populares deste blogue

É Carnaval O Amor Não Leva a Mal

Uma visita