Fome

A comer-lhe o estômago .
A corroer tudo o resto, mesmo assim a sangue frio.
Fome do surpreendente.
Temia uma gastrite.  
Seria tudo bem mais simples se viver uma vida só de cada vez lhe bastasse. 
E quisera  que os incontáveis desejos fossem todos compráveis. 
Arranjaria a solução, trabalharia horas extraordinárias ou avançaria para um empréstimo.
E hoje acordara com mais apetite.
Com uma pressa maior do que os passos que as pernas eram capazes de dar. 
E as pernas, cansadas, até tentaram avisar que a vida podia esperar.
Sabia que pernas não falavam, e se falassem mentiam, porque tudo o que a vida não podia mesmo era esperar.
A culpa era apenas do velho vício de sonhar.
E do desejo sem nome.

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