O Parvo da Farsa

Se os outros se observassem a si próprios atentamente, achar-se-iam, tal como eu, cheios de insanidade e tolice.
Não posso livrar-me dos outros sem me livrar de mim mesma.
Para não me desanimar, a natureza muito a propósito, orientou-me a visão para o exterior.
Avanço facilmente ao sabor da corrente.
Mas inverter a nossa marcha contra a corrente, rumo a nós próprios, é um penoso movimento.
O mandamento na antiguidade ia contra esta opinião comum:
«Olhai para dentro de vós, conhecei-vos, atende-vos a vós mesmos, reconduzi a vós próprios o vosso espírito e a vossa vontade que se consomem noutras partes.
Vós vos esvaziais e desperdiçais;
Concentrai-vos em vós mesmos, refreai-vos; atraiçoam-vos, dissipam-vos e roubam-vos a vós mesmos.
Não vês que este mundo tem as miradas todas crivadas no interior?
E os olhos abertos para se contemplar?
No teu caso, tudo é vaidade, dentro e fora, mas é menor vaidade se for menos extensa.
Salvo tu, ó Homem», dizia esse deus, «cada criatura primeiro se estuda a si própria e, de acordo com as suas necessidades, impõe limites aos seus trabalhos e desejos.
Não há nenhuma criatura tão vã e tão necessitosa quanto tu, que abarcas o universo: és o escrutador sem conhecimento, o magistrado sem jurisdição e, no fim de contas, o parvo da farsa.»
E não é que é verdade?

Inspirado em Michel de Montaigne, in 'Ensaios - Da Vaidade'

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