Foge

Porque é que há homens que sentem a necessidade de brincar à apanhada?
Vivem da força de apanhar e deixar fugir o amor.
A propósito Miguel Esteves Cardoso escreveu sobre este tema como ninguém:
" Foge - disse o homem.
Foge agora amor como dantes eu fugia de ti.
Foge com os olhos fechados, para não me veres a olhar para ti.
Mas ela estava a dormir e ele estava a falar muito baixo.
Eram felizes. Mas como é que podiam ser felizes?
- Foge agora amor, eu preciso de te perseguir.
Ela voltou-se na cama. O rosto apanhou a lua.
Olhos nem verdes nem morenos. Um coração que se podia ver.
Um amor verdadeiro.
Foge, disse o homem. Foge como quem não quer voltar.
Preciso de me sentir sozinho. Preciso de correr atrás de ti.
Sinto falta da minha saudade.
Ela acordou.
- O que é que estás para aí a dizer?
E ele levantou-se, dizendo que ia beber água e foi perto da janela.
Calçou os sapatos e disse na voz mais alta que podia sem a acordar:
- Foge meu amor, não me forces a ser sempre eu a fugir de ti.
E fugiu."
Há quem se canse da felecidade.