A Velhice Vai Bater à Minha Porta


Sempre admirei os mais velhos.
Aguçam-me a curiosidade de ouvir contar uma história de vida.
Desde tenra idade, passava tardes sentada na cama da minha avó Natividade a ouvir histórias sem fim.
Brincava horas, com os ganchos que lhe prendiam os longos cabelos brancos, num alinhado tótó que só a habilidade dela podia fazer.
Tirava-lhe o anel verde, cor da esperança sabe-se lá em quê, e fazia-o cair pelos meus pequenos e finos dedos.
Espreitava-lhe o sono várias vezes, sem ela nunca saber, a ver se ainda respirava.
Quando a velhice bater á minha porta é inevitável deixá-la entrar.
Como serei eu?
Irei acordar, esfregar os olhos e não saber porque acordei?
Nada me irá surpreender.
Sentirei que tudo me é proibido sob pena de morte?
Será nessa altura que vou levar a minha vida a julgamento?
Sentirei que o meu corpo não é mais que um corpo gasto pelo tempo?
Será o coração o primeiro a envelhecer?
Os desejos vão ceder o lugar ás recordações.
Vou querer mais rugas na cara que no espirito.
Vou ter que trabalhar alegre e árduamente a vida presente, para deixar de herança á velhice o melhor que fui.
Recordar será viver?
Vou fazer questão de telefonar a todos os que ainda cá andarem, a avisar que cheguei a velha.
É que lá diz o provérbio: a velhice confessada é menos velha.

Comentários

Flor disse…
Tenho mais medo de envelhecer do que de morrer...

*
A certeza de que é a forma como vivemos que nos confere, ou não, o direito à eternidade, muda a forma como nos entregamos aos outros, e procuramos até ao último momento usar a sabedoria adquirida. E quando se envelhece com sentido custa, mas custa menos.

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